Ah, a eleição! Como é bom esse zilhão de histórias, historinhas e historionas, mesmo que algumas tenham vindo para nos traumatizar vida afora. Uma dessas, inclusive, abre a nossa série de comentários sobre a eleição joinvilense.
Afinal, como um partido moribundo como o Novo conseguiu reeleger seu único prefeito no país com 78,69% dos votos?
Vamos atrás de algumas explicações. Na minha avaliação, são três os principais fatores que levaram Adriano Silva a uma vitória acachapante:
Espírito do tempo
As coisas acontecem no encontro entre o espírito do tempo e as peculiaridades de cada lugar. Em 2024, vivemos o tempo da continuidade, um rescaldo da exaustão de 2022. Há um desinteresse geral que se mistura com coisas como desesperança e também preguiça. Uma mais do que outra em cada situação. Então, se algo está mais ou menos bom, deixemos como está.
E o fato é que, de uma perspectiva desinteressada (e podemos usar a palavra despolitizada aqui), o governo Adriano está bom. Nos pormenores, na política e na ideologia há muito a tratar, mas coisas que pouco interessam ao andamento das coisas. Se as obras estão saindo, se os serviços funcionam, se a cidade não trava e a comunicação é boa, o governo está bom. Vale para Adriano e para Topázio. E se quisermos o exemplo de alguém que gostamos mais, eu chamo o Paes.
Correu sozinho
Até haviam figurantes nos debates, mas o fato é que Adriano Silva correu sozinho em 2024. Era ele contra ele mesmo tentando bater o próprio tempo, apenas garantindo que não ia tropeçar.
O favoritismo de Adriano era tão grande nos meses anteriores à eleição que isso já tirou do jogo quem poderia concorrer de verdade. Político que se preze não disputa batalha perdida. Os outros concorrentes estavam na disputa por outros motivos. Basicamente, manter unida ou buscar unir uma maçaroca de eleitores previamente mapeados. O que chamamos de capital político.
Lima, por exemplo, queria reviver a Joinville que se tornou cidade-símbolo do bolsonarismo. A cidade da grande carreata verde-amarela, do acampamento de meses no batalhão e da greve dos caminhoneiros é puro capital para a trupe. Carlito, por sua vez, tinha os votos de Lula e de Décio em 2022 a serem reunidos. Insuficientes para vencer, mas importantes para lembrar e aquecer para 2026. Gubert queria manter a brasa do MDB, o grande e histórico partido com torcida da cidade, acesa. Só um soldado do partido para topar essa furada. E Rodrigo, para fechar, tentou mais uma vez encontrar uma turma, coisa que ele chegou perto de ter nos tempos de PDT, mas vem perdendo eleição após eleição.
Entretanto, mesmo com a derrota garantida, os partidos erraram nos nomes apresentados. Só quem não entende nada de Joinville acha que um sujeito grosseiro como o puliça se cria como político de majoritária. Conteúdo até importa, mas forma é tudo, e aquele coitado não tem nem um nem outro.
A candidatura do PT evidenciou um problema sério do partido localmente, que é a dificuldade para formar quadros capacitados para enfrentar grandes disputas. No “só tem tu vai tu mesmo”, foram de Carlito, um político que a população aposentou em 2012. Não seria um problema se o próprio não tivesse se retirado da vida pública, como ele fez. Boa parte dos 81 mil votos do Lula 2022 não eram petistas, mas sim antibolsonaristas, de modo que não seriam facilmente convertidos. Por outro lado, talvez fosse mais fácil de convertê-los se o candidato não fosse uma figura cujo tempo já passou.
O professor Gubert, como soldado do partido, não tinha compromisso. Foi testado como político e não passou. Apesar de bons momentos (gostei muito de sua resposta humanista ao chinelo de farda sobre pessoas em situação de rua), foi uma caricatura de candidato. Não tinha muito o que fazer e não fez nada.
Mais prejudicado ainda saiu Rodrigo Bornholdt. Em outras eleições ele não ganhava o voto, mas ganhava o elogio de quem fazia uma campanha bonita. Desta vez deu muito errado. Ninguém sabe exatamente o quê, mas que deu errado, isso deu.
Sobrou Adriano. Bom moço, bom prefeito, bom comunicador e “reaça moderado” em uma cidade sem imprensa e sem oposição. Correu para o abraço sem suar.
SC não é bolsonarista
Sabe o meme daquele menino se matando de rir. Sou eu rindo dos bolsonaristas cheios de confiança que iam passar o trator. Afinal, como que explica um orçamento de R$ 4 milhões ficar com apenas 11,49% dos votos em uma das cidades-símbolo do bolsonarismo? Sem contar que ficou muito atrás do principal concorrente à direita e com o concorrente à esquerda ali no cangote.
Hoje é fácil dizer, mas lá atrás eu temia que a confiança da patriotada tivesse razão de existir. Achava que, quando Bolsonaro viesse pedir voto aqui, a coisa ia ficar complicada. Mas, pelo visto, nem o próprio confiou. Sendo assim e passado o tempo, posso voltar a espalhar aquilo que acredito.
Minha tese é controversa, eu sei, e às vezes até eu discordo de mim. Mas minha tese é que Santa Catarina gosta de uma centro-direita que fica de papinho com a esquerda. Uma centro-direita moderada, uns sujeitos meio ensaboados, cheios de sorrisos para todo mundo. Sempre dou o exemplo de Raimundo Colombo. Mas, por que não, agora Adriano?
Por mais que Adriano eventualmente diga e até faça atrocidades, ele não é um sujeito atroz. Ao contrário, é o retrato que sempre satisfez o eleitorado catarinense.
Sim, SC bolsonarizou em 2018 e 2022. Além de oferecermos os protagonistas, também fomos palco dos maiores vexames e passamos muita vergonha. Mas lembremos que cada coisa acontece no encontro do espírito do tempo com a peculiaridade do lugar. Talvez o tempo de Bolsonaro já passou e nossa peculiaridade não é ser bolsonarista assim.
Quem disse? A urna em Joinville.